COMUNICADO DE IMPRENSA
O Prédio Coutinho, em Viana do Castelo, voltou a ser intervencionado na passada sexta-feira após algumas semanas de paragem da empreitada. Foi precisamente nessa altura que vieram a público alguns dados relativos ao processo de desconstrução do edifício e que foram vistos com bastante perplexidade por parte da direção do Portal da Construção Sustentável.
Afinal, a desconstrução do edifício Jardim, mais conhecido como Prédio Coutinho, de onde foram retirados centenas de materiais aptos a serem reutilizados, aparentemente, não passou de mais uma empreitada de demolição, licenciada de forma a triar os resíduos gerados como já é, de resto, obrigatório em Portugal há mais de uma década! De acordo com as notícias veiculadas pela comunicação social, foi possível perceber que todos os materiais retirados, apesar de se encontrarem em bom estado, foram tratados como RCD comum.
Nada de inovador, nada de exemplar em termos de sustentabilidade. Tratou-se apenas de mais uma empreitada de demolição, quando deveria/poderia ter sido um desmonte exemplar do que é a desconstrução seletiva e a reutilização de materiais, estimulando a poupança de recursos e a recolocação de materiais em 2ª mão, não passou de uma comum demolição.
Através de fundos europeus, o Fundo Ambiental, tutelado pelo Governo, financiou em 2018 um estudo de desconstrução seletiva do Prédio Coutinho, elaborado pelo Portal da Construção Sustentável (PCS), que o finalizou e entregou à Viana Polis, responsável pela empreitada. Neste estudo eram feitas recomendações de desconstrução seletiva por forma a reutilizar os materiais em bom estado.
Uma vez que foram investidas verbas europeias num estudo que se poderia ter tornado num caso prático exemplar, questionamos, porque afinal o Prédio Coutinho não teve qualquer mais-valia no que se refere a um exemplo de sustentabilidade.
“Separar e britar os RCD e encaminhá-los para uma gestora de resíduos, já é obrigatório em Portugal há mais de 10 anos! O que ainda não se faz em Portugal, e que já é prática comum nos países mais evoluídos da Europa, como Dinamarca, Holanda ou Alemanha, é reutilizar os materiais em bom estado em vez de os britar, de forma a poupar energia, consumo de recursos e de extração de novas matérias-primas para produzir novos materiais.” refere Aline Guerreiro, arquiteta e CEO do PCS. “Sem dúvida que o betão retirado não teria outra hipótese senão a britagem, contudo outros materiais de construção, aptos a uma nova vida, possuem uma energia incorporada (energia consumida desde a extração da matéria-prima, até ao produto final) extremamente elevada, e poderiam/deveriam ter sido encaminhados para reutilização” prossegue.
No fabrico de sanitários, por exemplo, grandes quantidades de CO2 são libertadas, bem como na queima de combustíveis fósseis em fornos. Se acrescentarmos a esta questão a extração de matérias-primas e o transporte necessários, podemos compreender o impacto sobre o ambiente. Além destes, outros materiais presentes no Prédio Coutinho e que estavam em perfeito estado para novas utilizações, requerem igualmente grandes quantidades de energia para serem fabricados de novo, uma vez que a matéria prima neles utilizados, é extraída e tratada em processos intensivos de energia.
A título de exemplo, segundo um artigo científico publicado pela revista “Engeneering Precedures”, a extração de metal para produzir torneiras tem um impacto de 24,4 MJ/Kg de energia incorporada e produz cerca de 1,74 Kg de CO2/Kg. Um outro artigo científico (Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil), que quantifica todos os materiais usados numa torneira, como cobre, zinco ou aço, uma só torneira pode representar um consumo de energia na ordem dos 44,90 MJ/Kg. O PCS no estudo realizado referiu que haveria a possibilidade de reutilizar 359 torneiras, o que poderia equivaler à poupança de 16 134,65 MJ/Kg de energia e de evitar mais emissões de CO2.
O PCS concluiu ainda que seria possível reutilizar 1885 portas de madeira maciça (incluindo as portas de roupeiro) e, apesar do responsável pela empreitada a quem a Viana Polis entregou o trabalho ter referido que as portas entraram novamente no mercado, não foi capaz de informar qual a economia gerada pela sua venda, nem a quem foram vendidas e onde poderão vir a ser reutilizadas. O que seria um ótimo exemplo para divulgar e estimular o início de um mercado de materiais de construção em 2ª mão, que como o próprio refere, é um mercado ainda embrionário, mas que deve ser especulado.
O PCS tem vindo a questionar, já há algumas semanas, a Viana Polis sobre os resultados daquilo a que chamaram de desconstrução (mas que, até ao momento, mais parece uma demolição comum), sobre a catalogação e contabilização dos materiais em bom estado, como de resto, disseram que fariam de forma a comparar com o estudo efetuado. Até hoje, não obteve qualquer resposta.
Numa altura em que a necessidade de descarbonização está na ordem do dia, e se fala incansavelmente em transição energética, a correta desconstrução seletiva do Prédio Coutinho, seria um bom exemplo da diminuição do impacte ambiental associado ao setor da construção. Lembramos que se estima que este setor seja responsável pela extração de 50% de recursos disponíveis no planeta e por mais de 40% de emissões poluentes. É já o terceiro maior consumidor de energia, a seguir à indústria e transportes.
Os Resíduos de Construção e Demolição (RCD) estão ainda longe de ser um modelo de transição ecológica particularmente porque uma percentagem significativa dos resíduos provenientes de áreas de construção e obras não recebem o destino adequado, que deverá passar, obrigatoriamente, pela reutilização. A diretiva europeia 2008/98/EC, impôs uma taxa de 70% para a valorização de RCD até 2020. Mas, dar uma segunda vida a estes materiais é o verdadeiro contributo para a descarbonização e transição energética.
O preço dos materiais de construção está cada vez mais exorbitante! Por outro lado, a escassez de produtos é uma realidade cada vez mais notória. Ora, o atual panorama no setor da construção poderia ser um ponto de partida excelente para o desenvolvimento da verdadeira construção sustentável em Portugal, uma vez que esta privilegia a reutilização de materiais e produtos.
É necessário reduzir, reutilizar e reciclar em todos os setores, no setor da construção é imperativo.
Portal da Construção Sustentável, 07 de fevereiro de 2022
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